Nossa Senhora dos Milagres
Festa em Honra de Nossa Senhora dos Milagres
Manuel Luiz Fernandes Gonçalves – Novembro 2013
A procissão percorre as ruas da povoação, com pendões e estandartes mais os andores de boa parte das imagens dos santos, nas duas igrejas de Aldeia do Bispo.
O Concílio de Éfeso em 431 proclamou a Virgem Maria como Mãe de Deus. Éfeso era uma cidade greco-romana da Ásia Menor, das mais importantes na antiguidade, situada mesmo à beira-mar na costa ocidental da Turquia. Foi nesta cidade que viveu Nossa Senhora e onde, segundo a Tradição, se conserva ainda a sua casa. No entanto, a festa da Assunção só chega ao Ocidente nos fins do século VII.
As necessidades da vida do povo cristão vão atribuindo à Mãe de Deus títulos e invocações sob as quais nos é conhecida: Senhora do Amparo, Senhora da Boa Hora, Senhora das Neves, Senhora do Mar, Senhora dos Remédios, Senhora da Lapa, Senhora dos Caminhos…e, claro, Senhora dos Milagres.
Por esse país fora são-lhe atribuídas mais de 900 invocações marianas, o que faz de Portugal a “Terra de Santa Maria”.
São muitos os países em que o dia 15 de Agosto é feriado nacional, que é esse o dia em que a Igreja Católica comemora a celebração da festa da Assunção de Nossa Senhora, isto é, o dia em que a Virgem Maria foi arrebatada ou tomada para os céus.
O culto e a devoção das nossas gentes perante Maria, Mãe de Deus, inspirou muitos artistas de pintura, escultura, músicos e poetas.
Na sua obra Santa Maria de Riba Côa, refere-nos o Pe. Francisco Vaz, natural de Alfaiates, que apenas em 4 freguesias se venera Nossa Senhora dos Milagres, como titular ou padroeira das suas igrejas. No entanto, outros autores apontam para mais altares a Ela dedicados.
Na obra já citada, bem como depois em Santa Maria de Almeida escreve o Pe. Francisco Vaz:
…Senhora Nossa, Senhora connosco
Ela está num altar em Aldeia do Bispo
E numa capela, em Seixo do Côa…
A iconografia, de uma maneira geral, apresenta-nos Nossa Senhora dos Milagres com o Menino Jesus na sua mão esquerda, na direita segurando uma flor, em atitude de bênção e majestade.
As igrejas de Aldeia do Bispo conheceram várias fases de construção e remodelação; no entanto manteve-se sempre nelas um altar dedicado a Nossa Senhora.
Na memória paroquial de Aldeia do Bispo [ANTT., Dicionário Geográfico, vol. 2, doc. 17, p. 153], o cura António Gonçalves Bazílio registava a 25 de Maio de 1758 :
“…6- a paróquia está para a parte do Nascente, cem passos fora do povo, e nam tem lugares nem aldeias.
7- o orago hé Sam Miguel Arcanjo; a igreja tem três altares. Ho principal hé do Senhor Sam Miguel. Os colaterais, hé o da parte direita da Senhora do Rozario, o da parte esquerda hé do Menino Jezus, e nam tem naves…”
Os 3 altares a que se refere o cura António Gonçalves Bazílio, talhados em madeiras nobres e trabalhados com fino gosto, foram desmontados e, infelizmente, destruídos no início da década de 70 do séc. XX, quando foram levadas a cabo as obras de remodelação na igreja paroquial de Santo Antão. Tal remodelação não mereceu a aprovação de muitos aldebispenses, por nessa altura se não terem acautelado e preservado algumas peças de comprovado recorte artístico, não sabemos se por falta de gosto ou por modernismo exagerado.
Será de referir que um dos argumentos invocados, pelos “responsáveis” para a não conservação dos altares em madeira, era o mau estado da madeira e do custo que o seu restauro implicava.
A FESTA
A primeira preocupação da comunidade vai para a designação da mordomia ou comissão de festas, encarregada de organizar e presidir à realização das festas. Integram-na 4 matrimónios que servem para a festa de Nossa Senhora dos Milagres, isto é, organizam a festa religiosa e suas derivações de cariz profano.
A nova mordomia para o ano seguinte é nomeada pela que, no ano anterior, realizou a festa.
Anos atrás e antes do surto migratório nas décadas 60 e 70 do séc.XX, era duro o trabalho do campo e muito parcos os rendimentos na maioria dos casais da aldeia. Nessa época o pão e o caldo constituíam preocupações do dia a dia, sendo para muita gente a base alimentar com que a maioria da população podia contar no regresso ao lar, após um dia de árdua labuta.
A excepção a tais rigores na dieta diária, constituía-a precisamente este período festivo, em que lá se conseguia o luxo da carne fresca de borrego ou cabrito; os mimos do arroz doce e das bicas-doce que muito ajudavam a confortar estômagos e a saciar o apetite, terminada que fora a procissão da Senhora dos Milagres.
Neste dia de festa, a mesa alargava-se aos amigos das aldeias em redor; os forasteiros procuravam as tabernas.
Mas não só; dona de casa que se prezasse, lá teria de, na véspera, ter procedido a uma limpeza em profundidade de todos os cantos do interior e exterior do lar. Lembrêmo-lo: para o efeito,muitos cântaros, baldes e caldeiros de água se acarrejavam dos chafarizes e fontes da Aldeia !
Ao alindar da casa juntava-se o das pessoas. Corre-se para o alfaiate a tirar as medidas do fato novo; para a costureira a preparar a camisa, a saia, a blusa, o vestido de cores mais garridas, etc.
Hoje, com o pronto-a-vestir à porta, tudo fica mais simples e banal; até o brio de exibir fatiota nova como se de concurso de beleza se tratasse, vai esmorecendo nesse dia de festa.
ORNAMENTAÇÃO DA IGREJA
Vem de longe o costume de ornamentar as igrejas nos dias de festa.
Procura-se recriar na Igreja aquele ambiente de efusivo e caloroso acolhimento que a todos contagie.
Braçadas de flores são disponibilizadas pela Mordomia responsável pela decoração da Igreja. Geralmente é uma pessoa da Aldeia, especialista no arranjo de ramos de flores que realiza esse trabalho, embora por vezes se contrate um profissional.
A Mordomia é muito exigente e ciosa no brilho com que deve apresentar o templo de Deus nesse dia. A arte de combinar flores e cores com bom gosto nem sempre é fácil!
Esta ornamentação é sempre efectuada no Sábado que precede o Domingo da festa, trabalho moroso que requer muita paciência.
A igreja fica fechada nesse Sábado; somente as Mordomas e a “florista” ficam no interior do templo a executar os trabalhos.
Por vezes, alguém consegue entrar no edifício… A curiosidade é tanta, que logo vem o comentário: “este ano a igreja está muito bonita, está florida toda de branco (de encarnado, de beije, etc.)”.
Depois, no Domingo, seguem-se os comentários particularmente das aldeãs a elogiar o brio e o brilhantismo da ornamentação desta Mordomia, comparando-os em termos vantajosos com os de outras igrejas das aldeias vizinhas.
Sinos durante a procissão :
ORNAMENTAÇÃO DAS RUASOutrora, essa ornamentação era feita por alguns aldebispenses moradores nas ruas principais por onde passava e passa a procissão. Era de bom gosto pendurar das varandas e sacadas da casa a melhor coberta de lã ou de seda, cetim ou veludo, como também toalhas arrendilhadas. A arte estava no saber franzir e combinar cores.Por vezes e por ignorância, nem sempre as garridas cores redundavam em aprazível harmonia!
Esta tradição foi abandonada durante algum tempo, mas voltou de novo para recreação dos nossos olhares.
É também competência da Mordomia enfeitar as principais ruas da Aldeia.Dispondo agora de recursos financeiros mais copiosos, desde a década de 80 do século XX, o enfeite (iluminação moderna) das ruas principais é realizado por uma empresa especializada, que cada ano modifica a temática da ornamentação.Nesses dias, Aldeia do Bispo transforma-se em vila, ou mesmo cidade, arriscam os mais ousados.A alvorada
“Nenhuma festa que se preze deixará de ter uma afamada banda de música e, pelo menos, duzentas ou trezentas dúzias de foguetes. A competição entre as aldeias leva, por vezes, a exageros absurdos… Mal rompia a aurora, saltávamos da cama a correr, para ver a banda chegar e apanharmos as canas dos foguetes da primeira alvorada (os primeiros morteiros estrelavam pelas 7H30). E depois, lá íamos, doidos de alegria, à frente da banda, por todas as ruas da aldeia. (in “A capeia arraiana” de Adérito Tavares p. 23 – edição: IAG-Artes Gráficas,Lda – Lisboa, Junho de 1985)”.
Uma segunda alvorada é executada pela banda de música à saída da missa, logo seguida pela marcha durante a procissão, mais o repicar festivo dos sinos.À meia-noite, chega o momento aguardado de estender o pescoço e abrir os olhos para assistir à exibição da prolongada girândola do vistoso fogo de “lágrimas” (fogo de artifício) que todos os aldebispenses apreciam. Muitos forasteiros se juntam a este espectáculo deslumbrante que, nos nossos dias, é apresentado com música!A Banda da música.
SENHORA DOS MILAGRES