Carvalhos de Aldeia do Bispo
Carvalhos de Aldeia do Bispo para a Artilharia da Praça Forte de Almeida
Nos finais de Julho de 1762, durante o conflito europeu conhecido por «guerra fantástica», Pacto de Família ou Guerra dos Sete Anos, um corpo de tropas espanholas passaram o Côa, subjugaram Castelo Rodrigo e entraram na Praça Forte de Almeida.1 Em Lisboa preside ao Ministério da Guerra Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, mais tarde Marquês de Pombal que foi alertado para a imperiosa necessidade de introduzir melhoramentos de raíz na defesa daquela Praça, sentinela avançada mas solitária naquele planalto, livre de obstáculos e sem acidentes geográficos de monta que dificultassem a progressão dos invasores.
Seguiu-se o habitual período de estudos, consultas e pareceres, até que veio a decisão em Janeiro de 1766 : fazer obras no Trem de Artilharia da Praça de Almeida com supervisão do Marechal de Campo e Governador da Praça de Almeida, parecer favorável do Juíz de Fora da cidade da Guarda e destacamento de mestres e artífices em engenhos de guerra.
A opção foi por carvalhos a grande distância de Almeida, cá nesta zona fronteiriça, em que exigências de qualidade se terão sobreposto às facilidades de transporte, oferecidas pelo abate na vizinha Nave de Haver, onde também existia floresta de robles. Deste processo resultaram sete fólios com ofícios, relatórios e relações de despesa endereçados ao Meritíssimo e Exmo Senhor Conde de Oeyraz (Marquês de Pombal), como este em cita parcial, datado de Almeida a 1 de Maio de 1766, da autoria de remetente que assina J.C.Mendes :
Meu Senhor,
Em Aviso de V. Exa de 30 de Janeiro deste ano… o Marechal Inspector queria queeu fosse do primeiro de Maio seguinte…mas se de novo me ordenar que va, com efeito serei precisado a ir aos Lugares da Lagiosa e Aldeia do Bispo do Destrito de Alfaates…
Tendo concluído a obra de se serrarem as Arvores ou Páos que se cortaram naquela parte e apresentaram Relaçam das Madeiras que produzirao que constao de 281 falcas de 15 athe 23 palmos e 220 de 8 athe 12, o que se mostra no papel incluso.
Ora, o documento anexado consiste num resumo de todas as despesas com os valores parcelares dos carvalhos cortados; destes quantos provinham de propriedades particulares; quantos de terrenos baldios, com discriminação dos montantes afectos à rubrica da matéria prima, aos homens transportadores, incluindo o aluguel das bestas em que forao montados os serradores,2 aos Mestres carpinteiros artífices vindos do Alentejo com suas ferramentas para se obterem os 128 «páos» ou arvores de Carvalho que por ordem de S.M. deregida ao DtorJuis de Fora da Cidade da Guarda EstanislaoJoze dos Santos Brandao se serrarão nos Lugares da Lagiosa e Aldeya do Bispo, do termo da Vila do Sabugal para as obras do Terem de Artilharia desta Praça.Que tudo faz a importância dos ditos, duzentos e cincoenta e três mil cento e vinte Reis.
Muito embora nos sete fólios do processo consultados não seja referido nem nos habilitem com qualquer pista sobre o local ou propriedades da nossa Aldeia em que se procedeu a esta corta, ela deverá ter sido levada a cabo para jusante do povoado, pelos vales e suaves colinas que, da Gulricha, por Gonçalvilho, Gameleiro e Vale Catarina vão atestar com o termo da Lageosa. É para estes lados que ainda hoje observamos exemplares de robles multisseculares de tronco e copa de envergadura dignos de nota e de visita por dendrófilos.
Foi lá para as extremas do Vale Catarina que, ao abrir da década de 1950, uma alargada família de carvoeiros assentou morada em propriedade da Casa Grande3, sita ali mesmo no cruzeiro dos caminhos Aldeia do Bispo » Lageosa/Gonçalvilho » Gameleiro. Por ali viveram uns alargados três meses a desbastar copas, cortar pernadas, rachá-las, alinhar e empilhar os cavacos em altas moreias de «chaminé» logo abafadas com terra húmida, para regular aquele processo de lenta combustão, que fazia da lenha excelente carvão, destinado aos fogareiros da cidade. Por certo que o carvão dali extraído, pela sua elevada qualidade, bem terá compensado os dias de penúria e total desconforto daqueles bravos carvoeiros! Continua hoje a ser para os lados de nascente que a Aldeia se dirige sempre que é de carvalho a necessidade.
Que agora já se não praticam aquelas invocações com passagem de meninos pela aguilhada do reboleiro rachado até baixo, mais reza semi-pagã de Toma lá Maria, toma lá João ! este menino doente e dá-me outro são! Homem forte se há-de tornar tal menino, se o reboleiro rachado em Carvalho se volver.
Para as nossas avós o carvalho era o roble, ou róbur, a fortitude arborificada, quiçá ténue legado dos poderes invocados em rituais celtas a concitar defesa contra forças superiores. Sendo tal a robustez e força do carvalho, bem aconselhado, pois, andou o Ministro da Guerra, também ele «Carvalho» de nome, senhor do Reino e do Rei4 ao incorporar as falcas de carvalho da nossa Aldeia no Trem de Artilharia da Praça Forte de Almeida, para a esta conferir robustez e indomitável força no apoio às nossas tropas que hão-de repelir as forças superiores do invasor!
No nosso concelho medra o carvalho negral bem adaptado à rudeza do clima e magreza do subsolo. Em Aldeia do Bispo, Aldeia Velha, Forcalhos e Lageosa, o carvalho negral vai colonizando estas terras abandonadas e em breve uma imensa floresta vai cobrir estes lugares ligando-se à da Genestosa na vizinha Espanha.
É necessário preservar esta riqueza com uma gestão organizada da nossa floresta.
Lembra-se que neste Janeiro 2016, faz 250 anos que o Conde de Oeiras, Ministro da Guerra, deu ordens para proceder ao corte de carvalhos nos limites de Aldeia do Bispo e de Lageosa.
Fotografias e texto de :
Manuel Luiz Fernandes Gonçalves (Lei)
Aldeia do Bispo, 16 de Janeiro de 2016